sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O tempo e eu

(Jorge Hamilton Sampaio)

Os ponteiros do relógio já faziam sua escalada para marcar que era quase meia noite quando me atirei na cama com meu corpo cansado e minha alma repleta de busca. Demorei-me em fechar os olhos e mergulhar na noite escura. Estava embriagado com os acontecimentos e os sentimentos do dia que terminara. Debatia-me com a idéia de que o tempo tinha sido meu inimigo. Depois, desisti da razão, da consciência, das perguntas e deixei que meu eu divagasse por onde desejasse, ou precisasse. Aos poucos, como uma criança vai se acalmando no colo do pai depois do choro doído de um corte no joelho - ou na sua pequena alma que começa a experimentar suas próprias cicatrizes - assim também eu me entreguei aos braços da noite, sossegando meus desejos nos sonhos, ou no nada que o escuro me reservava. Sou grato à vida pelo sonho, bom ou ruim, que não me deixa esquecer, mesmo no mais profundo vazio da madrugada, quem sou e quem desejo ser. Enquanto eu dormia, os ponteiros do relógio também me vigiavam. Era como se me olhassem com misericórdia ao perceber que o tempo passava por mim em mais uma noite da vida. Um vigia amoroso... e raivoso. - Não poderia ele também experimentar a aventura de tentar dormir em paz? Tanta foi sua angústia por toda a noite em ver-se repetindo cada movimento, segundo a segundo... minuto a minuto... hora a hora... sem poder tentar algo novo, que senti seu grito de vingança quando esbravejou forte e irritante antes das seis da manhã: – Acorda ser vivo! Levanta! Diante de tanta virulência, fruto do amor e do ódio, retribuí com o poder que dispunha – e disponho, de olhá-lo também com misericórdia pela sua desventura de somente repetir. E, com um simples gesto fechei seu grito com o trivial toque em um botão. Lembrei de pessoas que são menos controladas e atiram estes arautos do tempo contra as paredes no momento do seu protesto. Seja como for, delicadeza ou truculência são faces da mesma ampulheta que tenta, inutilmente, controlar o tempo que passa. Talvez seja por isto que os relógios têm uma estética tão diferente uns dos outros: ouro, prata, plástico, enfeites, desenhos... são tentativas de tornar o tempo mais leve, de controlar o tempo, o tempo todo: desejo de que este amigo fique imóvel em momentos de ternura e de amor.... vontade de que este inimigo passe depressa nas tragédias e angústias. Olhei novamente para aqueles ponteiros que velaram por mim com carinho por toda a noite e que explodiram de rancor no romper da aurora. O tempo e eu. Eu e o tempo. Eterno encanto e disputa... vida e morte. Virei as costas, desdenhei seu destino e saí para o meu novo dia. Antes, contudo, coloquei em meu pulso dois outros ponteiros. Preciso deles, como aurora e crepúsculo, para saber quem sou e quem quero ser, antes que meu amigo-inimigo me avise, num sonho qualquer que, enfim, chegou a Hora!

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