domingo, 14 de março de 2010

Deserdados...

(Jorge Hamilton Sampaio)

O assédio dos deserdados:
Crianças pedindo,
Velhos pedindo,
Jovens pedindo...
Um, dois, dez,
Milhões ...
Um trocado,
Uma comida,
Um olhar,
Uma esmola,
Compaixão ...

O assédio dos deserdados:
Compra peixe!
Compra festa!
Compra óculos!
Compra corpo!
Compra... compra... compra ...

O assédio dos deserdados:
Passeio com gosto de fel,
Descanso no coração do cordel,
Praia, mar, céu,
Bebida comida, hotel...

O assédio dos deserdados:
Não dá pra ser feliz,
A miséria não tira férias.
Se o direito não for para todos,
Liberdade será de ninguém ...

O assédio do deserdados:
Uma mão., sem trocado ...
Uma boca, sem comida ...
Um olhar, sem lágrimas ...
Uma esmola, sem sentido ...
Um corpo, sem ternura ...

O assédio dos deserdados:
Deserdados,
Deserdados,
Deserdados ...

sábado, 13 de março de 2010

Desvãos

(Jorge Hamilton Sampaio)

Escrever é preciso.
Preciso escrever
com precisão,
por compulsão.
Palavra? Cirurgia da alma.
Vai às sombras mais escuras
e revela os sentidos que me sabem.
O que não sei sentir, consciente,
a poesia sente por mim, dolente.
O que penso que sei, consistente,
os versos o desmascaram, doente.
Se compreendo que já sou,
um texto me diz: - ainda não!
Na angústia de não ser,
um livro apetece meu querer.
Quando o amor parece fugir,
ao som uivado de demônios,
a palavra sussurra em meu peito,
uma voz de criança, que dança.
Escrever, eu preciso, a sangue:
- O ser, as sombras, o amor...
com a lâmina de um bisturi
nos desvãos abertos da alma.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Labirinto

(Jorge Hamilton Sampaio)

Não é novidade a visão de que nós, seres humanos, temos a consciência e sentimos na pele e na alma o fato de que estamos sempre caminhando. Já aprendemos, ou pelo menos deveríamos ter aprendido, que caminhar é preciso, que não há caminhos prontos, que o caminho se faz ao caminhar e que há pedras no meio do caminho. Também aprendemos que há espaços na caminhada em que nos defrontamos com uma encruzilhada. Nestes momentos, percebemos que há vários caminhos que podem ser seguidos, ou construídos, e que precisamos tomar uma decisão sobre qual o rumo que é melhor tomar. Tais situações podem nos deixar com uma sensação de vulnerabilidade, de indecisão, pois toda opção pressupõe um certo risco de trilhar pelo rumo certo ou de cometer equívocos. Não há como fugir desta situação. Mesmo assim, ainda que em situações limites da vida, há caminhos que podem ser escolhidos e há a possibilidade de se voltar atrás quando se identifica que se está buscando o horizonte errado. O problema não está na escolha dos caminhos. Esta é uma condição de nossa existência cuja raiz está em nossa possibilidade de liberdade para decidir. As encruzilhadas são grandes oportunidades para uma revisão de vida, para reorientação de valores e de prioridades. O problema não está na encruzilhada, mas sim no labirinto. E aqui reside uma diferença fundamental. Enquanto a função da encruzilhada é mostrar que existem diferentes caminhos que podem ser seguidos, mesmo sob riscos, a função do labirinto não é mostrar que existe uma saída, mas sim que há caminhos que levam a lugar nenhum. Andar perdido na vida, batendo em paredes estranhas, indo e voltando sem rumo, é uma condição que faz mal para a nossa existência, que nos empobrece, nos entristece e, porque não dizer, nos envilece. Porém, não é fácil identificar quando estamos em um labirinto ou diante de uma encruzilhada. Por isso precisamos de uma bússola que possa nos auxiliar na busca de discernimento. Este instrumento, tão valiosos e tão raro de saber manusear, chama-se amor, ou melhor, chama-se arte de amar. O labirinto é o contrário da encruzilhada. Quando perdidos, esquecemos que a arte de amar exige uma saída de si mesmo visando reencontrar a si mesmo na exata proporção que conseguimos nos encontrar com o outro. Fechados em nós mesmos, nossa tendência é o desespero para encontrar uma saída que, de fato, não existe. Na encruzilhada perguntamos pra onde vai o nosso amor quando o amor acabar (Chico Buarque) e arriscamos, com coragem, rumos que possam mantê-lo vivo. No labirinto perdemos de vista o amor, ficamos sem saber pra onde ele foi e, tropeçando em nossos próprio pés, seguimos por caminhos que não levam à lugar nenhum ... !

domingo, 7 de março de 2010

Asas do amor

(Jorge Hamilton Sampaio)

Se queres saber se te amo
Não espera por tanto falar
Vê o gesto em que te proclamo
E bebe esse vinho do olhar!

Se quero por ti ser amado
Isto só sei te dizer
Se aceitas um peito alado
Com asas que acolham meu ser!

Se não prendo teu vôo ao ninho
Assim também podes me amar
Com fendas em nosso caminho?

“Te amo” é minha verdade
Vem, pois, comigo planar
Num tempo de amor-liberdade...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Expressão

(Jorge Hamilton Sampaio)


Estou cansado
de falas estéreis
arrancadas a fórceps,
brutalmente ...

Quero ver a sabedoria
em seu ventre gerar
o silêncio,
lentamente ...

Estou muito cansado!

E o que eu escrevo
são só palavras
que irrompem de um vulcão.
Às vezes chamo Poesia,
em outras, Revelação!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O tempo e eu

(Jorge Hamilton Sampaio)

Os ponteiros do relógio já faziam sua escalada para marcar que era quase meia noite quando me atirei na cama com meu corpo cansado e minha alma repleta de busca. Demorei-me em fechar os olhos e mergulhar na noite escura. Estava embriagado com os acontecimentos e os sentimentos do dia que terminara. Debatia-me com a idéia de que o tempo tinha sido meu inimigo. Depois, desisti da razão, da consciência, das perguntas e deixei que meu eu divagasse por onde desejasse, ou precisasse. Aos poucos, como uma criança vai se acalmando no colo do pai depois do choro doído de um corte no joelho - ou na sua pequena alma que começa a experimentar suas próprias cicatrizes - assim também eu me entreguei aos braços da noite, sossegando meus desejos nos sonhos, ou no nada que o escuro me reservava. Sou grato à vida pelo sonho, bom ou ruim, que não me deixa esquecer, mesmo no mais profundo vazio da madrugada, quem sou e quem desejo ser. Enquanto eu dormia, os ponteiros do relógio também me vigiavam. Era como se me olhassem com misericórdia ao perceber que o tempo passava por mim em mais uma noite da vida. Um vigia amoroso... e raivoso. - Não poderia ele também experimentar a aventura de tentar dormir em paz? Tanta foi sua angústia por toda a noite em ver-se repetindo cada movimento, segundo a segundo... minuto a minuto... hora a hora... sem poder tentar algo novo, que senti seu grito de vingança quando esbravejou forte e irritante antes das seis da manhã: – Acorda ser vivo! Levanta! Diante de tanta virulência, fruto do amor e do ódio, retribuí com o poder que dispunha – e disponho, de olhá-lo também com misericórdia pela sua desventura de somente repetir. E, com um simples gesto fechei seu grito com o trivial toque em um botão. Lembrei de pessoas que são menos controladas e atiram estes arautos do tempo contra as paredes no momento do seu protesto. Seja como for, delicadeza ou truculência são faces da mesma ampulheta que tenta, inutilmente, controlar o tempo que passa. Talvez seja por isto que os relógios têm uma estética tão diferente uns dos outros: ouro, prata, plástico, enfeites, desenhos... são tentativas de tornar o tempo mais leve, de controlar o tempo, o tempo todo: desejo de que este amigo fique imóvel em momentos de ternura e de amor.... vontade de que este inimigo passe depressa nas tragédias e angústias. Olhei novamente para aqueles ponteiros que velaram por mim com carinho por toda a noite e que explodiram de rancor no romper da aurora. O tempo e eu. Eu e o tempo. Eterno encanto e disputa... vida e morte. Virei as costas, desdenhei seu destino e saí para o meu novo dia. Antes, contudo, coloquei em meu pulso dois outros ponteiros. Preciso deles, como aurora e crepúsculo, para saber quem sou e quem quero ser, antes que meu amigo-inimigo me avise, num sonho qualquer que, enfim, chegou a Hora!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Criação

(Jorge Hamilton Sampaio)

Os raios de sol
foram roubados dos teus cabelos...

A lua
imitou o encanto dos teus lábios...

Os teus olhos
inspiraram o brilho das estrelas...

As flores
exalaram o perfume derramado por ti...

O teu ventre
gerou os frutos da terra...

As montanhas
nasceram invejosas do teu corpo...

O universo
se fez a partir do teu desejo...

Suspirei por tua companhia
e o vento apareceu...

O mar
são as minhas lágrimas por ver tanta beleza...

Toda vida acordou
ao ouvir o teu sorriso...

E Deus resolveu existir
quando sentiu tua presença.

Borboleta

(Jorge Hamilton sampaio)

Leve,
muito leve...

Tuas asas
têm a força de todas as cores,
o desejo de todos sabores,
a volúpia de todos amores,
o fascínio de todos temores ...

Quando vi a beleza de teu pouso
quis prender-te em vitrine iluminada,
admirar-te ... sempre,
e eternizar o meu encanto.

Quando ouvi o crepitar de teu vôo
quebrei os frágeis cristais,
saber-te liberdade ... sempre
e agradecer meu instante feliz.

Leve, muito leve,
tuas asas ...
leve-me !